sexta-feira, 16 de maio de 2025

A Sala de Som de Mãe

 [Esse texto foi escrito antes do último, só não havia postado, eis esse mergulho, escrito em 17/05/2025]

A Sala de Som de Mãe

 

Sempre fui abençoado pelo olhar do carinho e gratidão que as pessoas têm por minha mãe. (comecei por essa frase pois achei forte, bonita, gostosa de pensar e escrever)

Embora o mundo hoje sopre ventos diferentes, o leme que me navega vai na direção dos meus sonhos, dentre eles, ter um mundo melhor, mais justo e coletivo.

“...Conto com você, um mais um é sempre dois
E depois vou mesmo é amar e cantar junto
Você deve ter muito amor pra oferecer
então pra que não dar o que é melhor em você...” (Vinicius de Moraes – Mundo Melhor)

Amo quando as pessoas dizem que pareço com ela.

Não entendo ainda ao certo o que me levou a percepção da hereditariedade em mim...

Uma coisa é quase certa, a circunstância; provavelmente foi em um exercício recorrente de me entender, observar de onde vêm meus sentimentos, opiniões, valores, visão do mundo...

A circunstância tenho mais límpida, mas os pensamentos que me levaram ainda não estão claros... Tenho suposições, que quero registrar, para no futuro entender onde estou agora.

 

Talvez tenha partido do olhar de amor que tenho por minha mãe. Amor que transborda...

Quando o amor transborda amamos tudo que é importante pro outro. Conheci meus avôs a partir daí também... A partir da construção dela... Nem tudo são flores, dor e superação são igualmente importantes pra mim.

Ou talvez tenha partido de um mergulho em mim, que para melhor entender-me foi necessário investigar as origens, minha mãe, vó, vô...

Talvez seja só delírio de uma mente um tanto sensível e muito divagante.

 

Não é fácil conter uma mente divagante, mas tenho encontrado momentos de respiro.

Equilibrar uma mente inquieta de forma produtiva exige uma certa habilidade de, em momentos frequentes, desligar e/ou baixar volumes de pensamentos para não distrair novos caminhos. É fundamental estarmos aberto a novos percursos de pensamentos, podemos conduzir pra onde queremos ir, mas certamente em algum momento precisamos silenciar um velho padrão para que surja o novo!

Em quais momentos posso desvencilhar tudo que é constante?

Na vida é preciso aceitar a vulnerabilidade, não temos como fugir dela. Pra mim, escolho lidar com a minha em momentos de leveza e esperança.

Contemplar a natureza é a linguagem mais recente...

Ouvir música foi uma das primeiras que tive contato...

Muito recentemente consegui decifrar esses estímulos como mapas.

A música tem uma capacidade de equilibrar minha frequência, dela também...

Deitar confortavelmente para ouvir uma música ou ver um pôr do sol me causam um respiro parecido.

Dentre as coisas que amo ter aprendido com ela foi ouvir música.

Ela me falou da primeira sala de som que ela teve, em Arcoverde-PE, nessa época eu estava aprendendo a andar.

Um quarto que foi transformado em sala de som, com umas espreguiçadeiras marrons e confortáveis, um bom som vinil+duplo deck, tapete e almofadas convidativos, além de um aquário com iluminação.

“A sala de som era o meu refúgio, meu respiro, deitava nela, punha uma música e relaxava... ”. (disse val)

Não lembro dessa sala de som da casa em Arcoverde porque eu tinha 3 anos quando ela conseguiu uma transferência do trabalho pra fazer um tratamento de saúde ela, se libertou de uma mente muito pequena que naquela época o interior pressupunha para ela.

“...Vou-me embora vou-me embora, vou buscar a sorte...” (Paulo Diniz)

Perdemos meu pai, logo depois, ele estava tentando a transferência para ficar conosco.

Minha mãe sempre diz que ele precisava se libertar de uma mente conservadora de interior, de fato, só tinha 33 anos.

A partir dos 4 anos, foi só ela... Eu e Ela.

Moramos em lugares de transição após o momento conturbado... lembro em flashes.

Até que em algum tempo depois estávamos morando em um apartamento no bairro de Bultrins - Olinda , a nossa primeira casa própria... Um apartamento pilotis com 2 quartos + ‘quarto de empregada’, arquitetura e nomenclatura típicas da época.

A ‘dependência’ logo foi convertida na Sala de Som Olindense... Tapete e almofadas convidativos e aquário, um portal lindo para esta sala, e era o melhor canto da casa.

Vou romper a temporalidade aqui: [Depois me casei, e retornei a este apartamento. Um dos lugares mais aconchegantes no qual pisarei em toda minha vida esse apartamento, me acolheu com minha esposa e filho, há 20 anos atrás. Até hoje lembro da sensação de estar ali, lembro do cheiro, da satisfação e orgulho de estarmos assumindo, eu e juli, essa responsabilidade, cuidando de nosso filho, de nossa casa, pagando nossas contas] Quem sabe escrevo um outro texto sobre esse retorno ao apartamento...

Mas voltando a linearidade temporal... Quando tinha cerca de 14 anos nos mudamos para uma casa grande e confortável em Jardim Atlantico. Representava uma conquista muito importante para mãe, embora eu nem percebia na época, jovem demais.

Em uma das salas ela fez a mesma coisa... Tapete, som, aquário... agora com um cachorro, e um irmão valiosíssimo que morou conosco a quem tenho amor gigante hoje... ainda nem existia CD, era fita cassete, vinil e rádio. Sempre tínhamos um ótimo conjunto  de som, nessa época era um gradiente top de linha e com qualidade superior.

Raul, belchior, gal costa, alceu Valença, geraldo azevedo, mpb4, Gonzagão e Gonzaguinha, chico Buarque... Incontáveis referências.

E, como é incrível que sempre a vida pode nos surpreender!

A música é um refúgio pra mim, sempre será muita coisa, aliás, a arte tem a capacidade de nos transbordar.

“E hoje, depois de tantas batalhas
A lama dos sapatos é a medalha
Que ele tem pra mostrar
Passado é um pé no chão
E um sabiá
Presente é a porta aberta
E futuro é o que virá mas, e daí?” (Gonzaguinha – Com a perna no mundo)

 

De tudo que minha mãe me passou e todas as história e ensinamentos que ela ainda vai me passar. Essa sala de som tem muita importância em minha formação, emblemático costume de procurar sentido aos nossos sentimentos.

Escrevo porque sinto que quando uma ideia, sentimento é grande, todas as peças se encaixam.

As canções destas salas de som são parte do ritmo de meu ser.

Muito obrigado minha mãe.

Feliz aniversário.  

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