sexta-feira, 31 de março de 2023

Viver ao vivo

 

A maioria de meus textos inicio a partir de um pensamento, um sopro, reflexão sorrateira e contundente. Na verdade 100% de meus últimos textos foram lampejos de pensamento, normalmente começo justificando minha ausência desse exercício de traduzir em palavras o que sinto.

 

Dessa vez será um pouco diferente, a vida tem me feito reinventar tanta coisa, a motivação de escrever talvez seja uma delas. Sempre me cobro de escrever, de mim pra mim. Depois que aprendi a me revisitar anos depois, começou essa cobrança. Totalmente egoísta. Não quero me perpetuar nem nada. Quero me revisitar, simples assim.

 

Então, em meio a toda inspiração que a vida me propõe, fica sempre uma vontade de registrar em palavras o momento. Mas por que? Sim, pra eu me revisitar daqui há 10 anos por exemplo, e me reconhecer amanhã. Minhas impressões do mundo são sempre um convite ao reconhecimento de mim.

 

Parece uma jornada sem fim, tenho substituído a cobrança de me registrar pela plenitude de viver. Acredito que nessa jornada mudamos muito, não é ‘muito’, aliás não necessariamente, a palavra certa é ‘sempre’. Mudamos sempre! Constante movimento.

 

Alguns invertebrados como a lagosta mudam sua carapaça, imagine só... o crescimento dela fica limitado a seu exoesqueleto ao ponto que ela precisa trocar para renovar a chama de mudança, de crescimento. Ela fica um tempo vulnerável enquanto o cálcio trabalha em seu organismo na construção de nova carapaça, maior, que permitirá seu novo ciclo de crescimento.

 

Pois a minha ausência daqui talvez seja uma mudança para novas perspectivas. Acho que elas podem coexistir, mas é preciso um tempo. Me dou esse tempo. Tô aprendendo.

 

Mas enquanto precisar dividir espaço entre viver e escrever, viverei.

A melhor ferramenta que encontrei para crescer foi sentir, perceber, olhar em volta. Como falou a Maria Bethania em uma música: “...Eu ando de cara pro vento, na chuva, e quero me molhar”.


O exercício recorrente de refletir sobre meus sentimentos, não me leva a lugar nenhum, mas é o vento que sopra minha vela em direção à minha alma. E desenvolver esse aprendizado de rumar em direção a mim me leva a lugares belos.

 

Tenho observado que a reflexão posterior sobre belezas que apetecem meu olhar tem mudado, precisam cada vez menos do pensar, tem se tornado mais orgânicas.

Vivo ao vivo.

Viver é correr muitos riscos, mas um dos mais avassaladores dos riscos é viver na superfície. Tento mitigá-lo, nem sempre é lúdico e belo a profundidade, muitas vezes é inquietante, outras é confuso. Como diz o Belchior, muitas vezes me sinto cansado do peso de minha cabeça. Mas essa é minha verdade, o que me resta e o que me sobra.

 

O melhor lugar para depositar minha intensidade com certeza é em um sorriso. Ao vivo!

Onde essa jornada me levará?





Sentido - a palavra

 

Já parou pra pensar na chama que mantém acesso nosso crescimento?

Pois, em minhas investigações solitárias e divagantes sempre me pego buscando o sentido das coisas. Sentido é uma palavra fortíssima, vocábulo de várias conotações. Sentido tem vários significados:

Importante como orientação, pra onde ir, qual caminho e qual destino.

Também como resolução de si perante o mundo, resolução e plenitude quando algo faz sentido pra nós.

Há uma relação entre estes dois significados? Pode ter?

Os meus pensamentos me levam no sentido que anseio ser, e quando minha alma se vê diante do caminho que ela deve percorrer, tudo faz sentido pra mim.

Além disso, temos visão, audição, olfato, tato, paladar. Nossos sentidos são nossas portas da percepção do mundo e ferramentas fundamentais de sobrevivência. Quando algum de nós não tem algum deles, outro passa a ser mais aguçado como uma forma natural de adaptação.

Pois bem. nesse mergulho em minha verdade tenho sentido uma nova camada de percepção, sentir tem me aguçado a intuição. Acho que a intuição é também uma ferramentas, porém não na camada de sobrevivência. Talvez na camada da existência. Fundamental para identificar nosso eu no mundo.



Outro dia, depois de um período transitório de mim, especialmente sobre minha visão de mim e do mundo orientada a partir de um colapso emocional que me fazia sentir em meio ao caos de não conseguir respirar, mudar era necessário e assustador.

Nesse momento, em meio a um furacão de desequilíbrios, sentir fez todo sentido. Comecei a sentir minha respiração, me provoquei a estar em contato com Deus. Estar em contato com a natureza era o sentido e fazia todo sentido naquele momento. Tão orgânico como respirar foi me reconectar ao meu sentir.

Ainda hoje acho que o melhor lugar para respirar é vendo um pôr do sol, sentindo o cheiro e ouvindo o barulho da mata atlântica fazendo parte daquilo no campo do sentir.

 

Repare, não é uma questão de escolha, nós fazemos parte da natureza, somos uma espécie da natureza, independente de querer ou perceber.

Nós só desligamos essa capacidade orgânica de fazer parte, humildemente, da natureza. Com isso perdemos também uma capacidade orgânica de nos orientar. Pois nossa natureza individual está conectada com tudo ao redor, queiramos ou não. Não há como fugir disso. Mas tentamos e somos tentados a...

 

Nesse momento de desequilíbrio, medo e incertezas, fiz umas trilhas, pareciam terapias. Sentindo o vento no rosto e o orvalho da mata embaixo de meus pés senti novamente a conexão. E foi forte... Como um encontro com Deus cujo templo era a magnitude de sua própria criação.

 

 

Este momento parecia permanente, experiencia que, a partir dali, daria nova cadência e leveza à minha própria existência no mundo.

 

Mas o quão sorrateira a vida é?

 

Nada é permanente, me pego por vezes voltando ao mesmo desequilíbrio caótico. Acho que as relações estabelecidas na sociedade moderna sempre te tiram do eixo.  Estou certo de que, de todos os seres do planeta, o que está mais sujeito à desconexão com sua própria existência é o ser humano. Não por acaso somos o eixo mais fraco do equilíbrio do planeta.


 

O que tenho sentido é que a única permanência aqui é a mudança. Tenho tentado olhar essa minha vulnerabilidade e falta de controle não no campo do medo e da insegurança, mas no campo da dádiva da própria natureza mutável do universo que começa a fazer sentido minimamente nos meus processos, desde a mitose de minhas células à sensação de plenitude de meus encontros com Deus.



Noite de amor

 


Ato 1

 

Chegamos de um happy hour, após um dia de muito trabalho. Intenso, fluído, orgânico; No fim, exitoso trabalho. Dentro de nossas atribuições... Ela fazendo delícias em forma de bolos. Receitas inclusivas, sementes de sua dedicação. Eu em uma atividade menos poética, rsrsrsr. Resolvendo uma entrega de um No Break de grande porte em um importante cliente.

Apesar de pragmático meu trabalho teve seu encanto. Percebi em certo momento 8 a 10 pessoas, de umas 4 empresas diferentes fazendo seu trabalho de maneira colaborativa como poucas vezes eu vi. O gerente, eu, o cara da elétrica, o motorista entregador. Todos superando as dificuldades sem patente ou crachá. Não é comum nesse tipo de ambiente as pessoas se despirem da vaidade.

Foi interessante, exitoso e cansativo.

 

Ato 2

Chegamos em casa, sentamos no sofá pra tomar umas 3 cervejas que haviam na geladeira na penumbra de nosso terraço ouvindo música. Ela deitou confortavelmente em meu colo, entre acordes de jazz e fluxos de respiração ela se espreguiçou em meu colo, se acolheu manhosamente e pensou em voz alta:

-Impressionante como eu consigo relaxar!

Eu pedi pra ela soltar o cabelo, puxei os fios pra trás pra poder percorrer todo seu couro cabeludo em um cafuné digno daquele momento.

Eu sentia uma calma, um respiro ameno tomou meu corpo, senti meu corpo, por dentro o sangue nutrindo minhas células, vasos sanguíneos, coração, cérebro, membros... Até essa que essa luz, respiro e plenitude chegaram à ponta de meus dedos, percorria suavemente seu couro cabeludo. Logo ela dormiu.

Pensei inicialmente se ela tivesse acordada iria expandir essa energia de amor através de seu couro cabeludo, cérebro, órgãos e membros. Olhando-a dormir, me pareceu egoísta de minha parte a necessidade dela estar acordada e consciente naquele momento.

Do couro cabeludo, com seus cabelos entrelaçados entre meus dedos, movia as mãos sentindo os cabelos hidratados e lindos dela fluírem por entre os dedos. Naquele momento fluir meus dedos por entre os cabelos dela representava muito bem o momento. Os fios de cabelo dela fluíram feito água de rio entre meus dedos. Cachoeira!

 

“... tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações! “ (Eça de Queiroz – O Primo Basílio)

 

Ato 3, 4 e 5 – censurados. kkkkkkkkkkk


Enio Fred

17/09/22

Quando eu olho para Mim

 



Além da contemplação, a natureza oferece outras formas de crescer em contato com ela, conseguimos seguir entre trechos acidentados e íngremes desde que esteja tocando uma canção ou uma paisagem à nossa espera. E nós a espera dela.

Como numa trilha, é a vida; é superar os desafios e aprender sobre eles. Difícil seria enfrentá-los sem uma bela paisagem de recompensa. Um respiro em silencio no pôr do sol no topo de uma montanha ou um sorriso de afeto em um dia, ao acaso.

E sobre a nossa natureza?

Somos como um rio, Nascemos como fio de água e vamos crescendo, expandindo nossas margens, abençoando famílias e servindo de vida que retroalimenta a vida. Transpassando por tudo isso vamos seguindo o fluxo. Ora somos o agito de águas agitadas ora o êxtase da cachoeira; ora somos águas calmas e sensível até mesmo às folhas que suavemente caem em nós, ora somos percursos acidentados e pedregoso.

 Nos orgulhamos de ser rio vendo as crianças se banhando em nós ou a dona de casa lavando roupas, do pescador tirando seu sustento... Somos nutridos de toda benção que fornecemos a todos que têm o privilégio de se banhar em nossas águas.

O correr de nossas águas também muda a nossa própria composição, aos poucos vamos mudando o ph e salinidade, a fauna e flora já é diferente de quando éramos apenas um fio de água. Nos tornamos berço de reprodução e sobrevivência de diversas espécies. Algo está por acontecer, dá pra perceber quando a mudança de nossa composição se faz cada vez mais acentuada... Ficamos mais vulneráveis à outras águas que pouco a pouco fazem parte de nós. Até que em um êxtase, um encontro majestoso em um delta chegamos a um ponto de transição importante.

 

Estava eu, após muito sofrer com uma reforma de 6 meses (os percursos acidentados), obra bem importante pra mim. Uma das decisões mais importantes, corretas, que fiz. Ser vizinho de minha mãe. É incrível participar da vida dela (um pôr do sol em águas calmas) e retribuir um tanto da segurança que ela me proporcionou.

 

Esse olhar de menino como diz o chico cesar foi despertado em um clique com uma conversa com minha avó já pouco antes do Alhzeimer tirar aos poucos sua capacidade, nesse dia em que eu iria com um carro de mudança buscar meus móveis e eletrodomésticos que ficaram guardados.

Minha vó era de poucas palavras, passou muita dificuldade no sertão, época muito difícil e tenho certeza de que muitos desses traumas devem ter seguido com ela por muito tempo.

Eu sempre puxava assunto com ela sobre a infância; do que ela brincava? Quais as lembranças? os amigos; quais momentos de respiro dela. Mas nesse dia fiz uma pergunta cuja resposta não estava preparado para ouvir, porém estava um ótimo dia para tal.

 

-Vó, qual fase mais difícil da sua vida?

Ela sentada na cadeira de balanço, olhou pra rua como se estivesse revirando a gaveta das memórias. Uma memória que há muito não era acessada.

-Teve uma época meu filho, que nossa situação era muito difícil, faltava comida. A única saída foi seu avô ir trabalhar em uma fazenda, trabalho que só dava pra ele vir pra casa em um fim de semana do mês.

-Vó, e nessa época como a senhora alimentava suas filhas?

-Eu dibuiava feijão, meu filho.

Nesse momento o ímpeto dela já era diferente do habitual. As expressões, respiração e emoção me mostravam um rio de sentimento, de orgulho do que ela passou e criou todas as filhas.

E eu navegava em orgulho dela e das filhas, de gratidão e um sentimento de hereditariedade, de continuidade.

Ela emendou:

 

-Eu dibuiava 1 saca de feijão pra ganhar 1 kg. (...) Meus dedos sangravam no feijão e eu não parava de debuiar.

 

Então, chegou o carro de mudança com as duas horas do atraso mais importante de todas. Importante porque ressoou expandindo minhas margens e minha capacidade de sobreviver, lidar com meus desafios de forma que eu também siga pro mar abençoando as margens.

Obrigado por tudo minha vó.

Vovó virou mar!





Drão

 

Mais uma vez retorno aqui... não levo mais em consideração o tempo de minha ausência.

Levaria se escrever fosse um parâmetro que representasse a proximidade de mim.

Considerando que as críticas e vergonha ao ler textos íntimos da década passada são na verdade gatilhos do percurso de crescimento que cheguei até aqui, diria que sempre voltarei, sempre que quiser.

 

Eu quero!

 

Hoje sou um chato, que pensa demais e escreve de menos. Talvez tenha mudado a estética de minhas divagações, e é até natural isso, mas um pensamento escrito se perpetua. Então nada representa mais este retorno que a perpetuação...

Não que eu tenha a expectativa de ser tão bom ao ponto de me perpetuar em meus registros, minha expectativa é me perpetuar pra mim mesmo no futuro.

Gostaria de registrar tudo que sinto pra revisitar amanhã...

A minha construção como ser humano posso admirar.

 

E admiro!

 

Sempre fui reflexivo em relação a manifestação de meus valores, mas é preciso ir além... Observar é só o primeiro passo. É preciso saber de onde vem, investigar-se a ponto de identificar as próprias crenças, defeitos e virtudes.

É preciso identificar as motivações de nossas ações, minunciosamente. Para daí entender qual nosso percurso nessa estrada terrena. Para isso é preciso nadar contra a maré em uma sociedade que busca nos perfilizar para vender algo pra nós...

Precisamos entender nossa complexidade e nos enxergar fora de qualquer padrão.

No percurso de olhar pra mim intimamente, minunciosamente, precisei me despir da expectativa que as pessoas têm de mim. Tudo que as outras pessoas pensam sobre mim pertence a elas, não a mim.

Meu íntimo e a construção de meu ser só pertencem a mim mesmo. Exceto por um fenômeno, fenômeno tal que nos diferencia de todos os animais, o amor!

 

E sinto!

 

Em minha opinião, amor, é uma utopia, algo que buscamos e no máximo, em seu pleno exercício, conseguimos algumas “amostras” de seu caminho... um sorriso mútuo, uma felicitação nativa, uma força de querer bem, um sentimento de justiça, compaixão, solidariedade...

O amor é a força mais forte do universo e não se representa em sua totalidade em matéria.

Estamos aqui, neste plano, em uma etapa de aprendizado do que é o amor.

Tenho uma sensação pessoal de que o amor é uma ferramenta com a qual, sozinha, não nos capacita a resolvermos os problemas do mundo hoje. Mas é a única saída pra plantarmos isso.

Falo isso pela nítida impressão de que só plantando o amor, resolveremos nossos problemas.

Assim como uma semente que germina e dá novas plantas e posteriormente frutos, o amor precisa de continuidade, nossa noção de tempo não é compatível com a construção do amor.

 

Por hora, vamos contribuir para que o amor possa florescer e construir uma sociedade justa onde todas os seres tenham uma vida justa e capaz de desenvolver essa virtude enquanto muda o mundo. Mudemos nós então.



Enio Fred.

Escrito em 09/09/22