Além da contemplação, a natureza oferece outras formas de
crescer em contato com ela, conseguimos seguir entre trechos acidentados e
íngremes desde que esteja tocando uma canção ou uma paisagem à nossa espera. E
nós a espera dela.
Como numa trilha, é a vida; é superar os desafios e aprender
sobre eles. Difícil seria enfrentá-los sem uma bela paisagem de recompensa. Um
respiro em silencio no pôr do sol no topo de uma montanha ou um sorriso de
afeto em um dia, ao acaso.
E sobre a nossa natureza?
Somos como um rio, Nascemos como fio de água e vamos
crescendo, expandindo nossas margens, abençoando famílias e servindo de vida
que retroalimenta a vida. Transpassando por tudo isso vamos seguindo o fluxo.
Ora somos o agito de águas agitadas ora o êxtase da cachoeira; ora somos águas
calmas e sensível até mesmo às folhas que suavemente caem em nós, ora somos
percursos acidentados e pedregoso.
Nos orgulhamos de ser
rio vendo as crianças se banhando em nós ou a dona de casa lavando roupas, do
pescador tirando seu sustento... Somos nutridos de toda benção que fornecemos a
todos que têm o privilégio de se banhar em nossas águas.
O correr de nossas águas também muda a nossa própria
composição, aos poucos vamos mudando o ph e salinidade, a fauna e flora já é
diferente de quando éramos apenas um fio de água. Nos tornamos berço de
reprodução e sobrevivência de diversas espécies. Algo está por acontecer, dá
pra perceber quando a mudança de nossa composição se faz cada vez mais
acentuada... Ficamos mais vulneráveis à outras águas que pouco a pouco fazem
parte de nós. Até que em um êxtase, um encontro majestoso em um delta chegamos
a um ponto de transição importante.
Estava eu, após muito sofrer com uma reforma de 6 meses (os
percursos acidentados), obra bem importante pra mim. Uma das decisões mais
importantes, corretas, que fiz. Ser vizinho de minha mãe. É incrível participar
da vida dela (um pôr do sol em águas calmas) e retribuir um tanto da segurança
que ela me proporcionou.
Esse olhar de menino como diz o chico cesar foi despertado
em um clique com uma conversa com minha avó já pouco antes do Alhzeimer tirar aos
poucos sua capacidade, nesse dia em que eu iria com um carro de mudança buscar
meus móveis e eletrodomésticos que ficaram guardados.
Minha vó era de poucas palavras, passou muita dificuldade no
sertão, época muito difícil e tenho certeza de que muitos desses traumas devem
ter seguido com ela por muito tempo.
Eu sempre puxava assunto com ela sobre a infância; do que
ela brincava? Quais as lembranças? os amigos; quais momentos de respiro dela.
Mas nesse dia fiz uma pergunta cuja resposta não estava preparado para ouvir,
porém estava um ótimo dia para tal.
-Vó, qual fase mais difícil da sua vida?
Ela sentada na cadeira de balanço, olhou pra rua como se estivesse
revirando a gaveta das memórias. Uma memória que há muito não era acessada.
-Teve uma época meu filho, que nossa situação era muito
difícil, faltava comida. A única saída foi seu avô ir trabalhar em uma fazenda,
trabalho que só dava pra ele vir pra casa em um fim de semana do mês.
-Vó, e nessa época como a senhora alimentava suas filhas?
-Eu dibuiava feijão, meu filho.
Nesse momento o ímpeto dela já era diferente do habitual. As
expressões, respiração e emoção me mostravam um rio de sentimento, de orgulho
do que ela passou e criou todas as filhas.
E eu navegava em orgulho dela e das filhas, de gratidão e um
sentimento de hereditariedade, de continuidade.
Ela emendou:
-Eu dibuiava 1 saca de feijão pra ganhar 1 kg. (...) Meus
dedos sangravam no feijão e eu não parava de debuiar.
Então, chegou o carro de mudança com as duas horas do atraso
mais importante de todas. Importante porque ressoou expandindo minhas margens e
minha capacidade de sobreviver, lidar com meus desafios de forma que eu também siga
pro mar abençoando as margens.
Obrigado por tudo minha vó.
Vovó virou mar!
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